A referência das referências: Sennheiser HD 600


Definir o som de um fone é uma tarefa bem difícil – e muitas vezes gera um treta gigante. O conceito de neutralidade em um fone de ouvido é algo bastante difícil de encontrar uma definição aceita por todo mundo. Por isso, em geral, quando as pessoas que conhecem fones de ouvido tentam defini-los sonicamente acabam comparando-os com alguma referência. É comum utilizar alguns fones como o Beyerdynamic DT880, Sennheiser HD 800, AKG K701, AKG K240, Koss Porta Pro ou algum outro fone de ouvido que tenha sido extensivamente utilizado e que tenha um som bem característico.

Entretanto, nenhum desse exemplos é mais citado que o HD 600 (e o seu sucessor HD 650). É possível que futuramente tenhamos um post sobre o HD 650, mas nessa publicação iremos explorar o HD 600, um dos fones mais relevantes da história. Prova disso é o fato de ele ainda ser um fone muito caro e possível de comprar novo, mesmo depois de mais de duas décadas do seu lançamento. Desde meados da década de 2000, a indústria de fones de ouvido aumentou bastante quantidade de produtos lançados e as marcas hoje lançam diversos fones novos todos os anos, algo bastante diferente do cenário de quando o HD 600 foi originalmente lançado. Qualquer fone que não seja esquecido depois de uns cinco anos merece uma atenção especial.

Desde o lançamento do HD 414 em 1968 (O primeiro fone de ouvido aberto a ser comercializado), o mercado de fones de ouvido sempre teve uma enorme influência da Sennheiser. Muitos que escrevem sobre fones de ouvido inclusive nomeiam a Sennheiser como a melhor empresa de fones de ouvido que existe. De fato, não é comum a Sennheiser lançar fones de ouvido de baixa qualidade. O Sennheiser HE1 (Por vezes chamado de “Sennheiser Orpheus”, nome que na verdade pertence ao seu antecessor, o Sennheiser HE90/ HE90V) é atualmente o fone mais caro do mundo, custando 50 mil  dólares.

No início da década de 1990, a Sennheiser lança o HD 580, um fone que rapidamente ganharia uma boa reputação pela sua precisão e naturalidade sonora. Entretanto, o HD 580 acabou funcionando como uma introdução para o seu sucessor o HD 600, que alcançou o status de um bom ou ótimo fone, apesar de que a sua reputação foi melhorando ao longo dos anos. No início da década de 2000, o HD 600 teve um sucessor, o HD 650, que possuía uma assinatura sonora bem semelhante, mas uma qualidade de construção melhorada. Mais recentemente, em 2017, a série ganhou um novo membro, o HD 660s. Finalmente, no ano passado, Foi lançado o HD 58x, um fone que gerou muito burburinho por ser, ao que muitos afirmam “uma versão mais barata do HD 660s”. Entretanto, mesmo com todas essas versões posteriores, o HD 600 ainda goza do seus status e de sua relevância, sendo altamente recomendado como um dos melhores fones da Sennheiser e talvez o seu melhor custo-benefício.

Sigamos, portanto, para a análise desse fone tão bem-quisto no mundo audiófilo.

Preço

O que dizer? Nesse momento (2019), considero, para a realidade do brasileiro comum, o HD 600 como um fone caro. Definitivamente, é o mais caro da trindade clássica, sendo comum encontrar AKGs K701/K702 ou o Beyerdynamic DT880 por um preço mais acessível. Definitivamente, não é um fone que pessoas comprariam sem pensar um pouco (a não ser, é claro, que você tenha bastante grana pra gastar). Entretanto, pelas características que elencarei nos próximos tópicos, creio que esse fone vale o preço que custa e não conheço nenhum dono de um Sennheiser HD 600 que tenha ficado decepcionado com a compra.

Conforto

O HD 600 é um fone normalmente considerado confortável. A grande questão é que ele é um tanto “justo” na cabeça. Por um lado, isso permite que o fone não fique se movendo quando você inclinar a cabeça para frente ou para trás – algo que acontece com o HD 598, por exemplo. Por outro, dependendo do formato da sua cabeça, pode ser que você sinta alguma pressão apertando a sua cabeça, mas em geral essa pressão desaparece após algumas semanas de uso.

As almofadas são provavelmente um dos melhores pontos de conforto nesse fone. As almofadas que ficam ao redor da orelha são ovais, diferindo das almofadas dos outros dois membros da trindade clássica, que possuem as almofadas redondas. Esse formato na verdade permite um melhor encaixe na morfologia da região ao redor da orelha, tendo uma maior zona de contato e, portanto, espalhando bem o peso do fone. As almofadas do arco são provavelmente as minhas almofadas superiores favoritas de qualquer fone que testei até hoje. As quatro partições da almofada superior permitem que o peso seja bem dividido e, honestamente, apesar de o HD 600 não ser um fone que “some na cabeça”, eu definitivamente não sinto uma pressão em algum ponto específico do couro cabeludo, algo que sinto com a maioria dos fones que existem.

Por ser um fone aberto, ele também não acumula muito calor no interior do fone, sendo mais confortável nesse sentido que a maioria dos fones que utilizamos.

Estilo

O HD 600 não é um fone “da moda”, mas definitivamente não é um fone esquisitão como o K701. Ele possui um design bacana que privilegia ver o falante do fone através da grade externa. Particularmente, acho bem bacana essa propriedade, uma vez que dá ao fone um ar mais sofisticado. Uma vez na cabeça, o fone não tem um aspecto de “trambolho”, mas se adequa bem ao formato da cabeça, apesar de não ser exatamente um fone pequeno. O único grande problema do estilo desse fone é, de fato, a cor. A cor dele lembra um mármore azul, algo que poderia ter sido pensado para dar ao fone um look ainda mais sofisticado, mas que não gerou um bom feedback do público. Como o Sennheiser HD 600 é facilmente desmontável, não é incomum encontrar pessoas que pintaram o fone para dar um look mais personalizado. (Isso, definitivamente, é algo que farei um dia, só não criei coragem ainda.)

Isolamento

Como o HD 600 é um fone aberto, ele não isola basicamente nada. Além disso, ele vaza bastante o som. Portanto, não é recomendável o seu uso em locais onde não se possa fazer nenhum barulho (bibliotecas, hospitais) ou se você precisar de um isolamento por estar em um ambiente muito barulhento.

Qualidade de Construção

Esse é, definitivamente, um fone muito bem construído. Com exceção do cabo e das almofadas, é possível que esse fone dure por décadas. Na realidade, não é tão difícil encontrar algum HD 600 comprado no final da década de 1990 e que ainda esteja em boas condições. Na verdade, ainda é bastante comum encontrar alguns HD 580, antecessor do HD 600, da década de 1990 e que esteja em boas condições. Apesar de boa parte da estrutura ser feita de plástico, é um plástico de excelente qualidade. Além disso, uma das vantagens de o fone ter cabos que entram dos dois lados é que não há nenhum cabo passando pelo arco, algo que é muito comum de dar defeito (como, por exemplo, no Beyerdynamic DT880).

O HD 600 (e todos os outros da mesma família que foram citados lá no início do post) são definitivamente fones sólidos, que não vão quebrar facilmente. Obviamente, o fato de não serem normalmente utilizados de forma portátil ajuda bastante a manter esses fones em boas condições, mas independente disso, é um fone de boa construção, certamente o melhor da trindade clássica. Além disso, é um fone de ouvido fácil de desmontar e repor alguma parte defeituosa não é tão difícil (apesar de poder ser um pouco difícil de achar para comprar no Brasil, muitas vezes sendo necessário trazer alguma peça de fora do país).

Um dos pontos que um novo usuário pode achar chato é o fato de o fone não ser dos mais simples para definir qual é o lado direito e qual é o lado esquerdo, especialmente com os cabos desconectados. Com os cabos conectados, cada conector é de uma cor e dá pra se orientar por meio dessas cores (O direto é vermelho e o esquerdo é preto). Nas laterais dos arcos, encontra-se um “R” e um “L” para identificar cada um dos lados, mas nem sempre é fácil de enxergar. O melhor modo de definir qual lado é qual é por meio dos 3 pontinhos em alto-relevo que estão na lateral esquerda do arco.

 

Cabo

O cabo do HD 600 é uma treta. É um cabo removível, mas com um conector próprio da Sennheiser. Nesse aspecto, esse fone deixa a desejar. Não é fácil encontrar cabos de reposição a preços acessíveis (a não ser se for comprado fora do Brasil) e é extremamente difícil achar o conector para fazer um cabo customizado. Além disso, as molas que se conectam ao cabo no interior do fone são relativamente frágeis se comparadas à outros tipos de conectores e encaixar o cabo de forma errada, forçando o encaixe, pode quebrar a mola permanentemente, sendo necessário o envio do fone para manutenção. Fora isso, o cabo que vem com ele possui um comprimento de 3 metros, algo bastante longo para a maioria dos usos dos dias atuais, então é altamente comum e recomendável comprar um cabo mais curto se o usuário assim achar necessário. Como o cabo é caro ou difícil de conseguir, daí temos a treta. Talvez o pior ponto desse fone, infelizmente.

Portabilidade

O HD 600 não é um fone para se levar consigo para todo canto. Ele não tem nenhuma propriedade de dobrar pra ficar mais compacto e não é um fone pequeno que caiba em uma case pequena ou média. O propósito desse fone é o uso estacionário em casa ou no trabalho, lembrando que ele não tem basicamente nenhum isolamento e daí é também para ser utilizado em um local que não vá atrapalhar as pessoas ao seu redor, uma vez que o som vaza.

Com relação à sensibilidade do fone, o HD 600 precisa de um bom amplificador para ser utilizado no seu máximo. Um celular ou algum equipamento de reprodução musical não irão fazer com que esse fone fique alto o suficiente e um receiver comum ou a saída de áudio padrão do seu computador podem até deixar o som alto, mas não irão explorar todo o potencial sônico desse fone. Muitos usuários preferem utilizar o HD 600 com amplificadores valvulados (também chamados de tube amps), uma vez que esse tipo de amplificador acaba realçando ainda mais as características boas do som desse fone (que falaremos mais no próximo tópico). Concluindo, o HD 600 é um fone em que o amplificador faz toda a diferença na hora de puxá-lo e é mais do que recomendável comprar um bom amplificador para se usar com ele.

Som

O som do HD 600 é o grande motivo para compra-lo. De fato, essa série de fones (incluindo o mais recente HD 660s) é valorizada por muitos como a melhor série da Sennheiser (apesar de que as opiniões variam muito). Em geral, as opiniões sobre esse fone são positivas, mas alguns pontos vem sendo defendidos como negativos:

  1. O “véu” da Sennheiser (The Sennheiser Veil), que é a presença tímida de agudos nesse fone.
  2. O pequeno ou “comprimido” palco sonoro.
  3. Baixa resolução de graves, às vezes também defendida como uma quantidade de distorção nos graves inaceitável para um fone desse nível.
Minhas respostas para esses pontos são bastante pessoais, mas creio que muitos usuários concordariam comigo:
  1. Para qualquer pessoa acostumada com o K701 ou com o DT880, o HD600 pode parecer, de fato, um fone com pouquíssimos agudos. Algumas pessoas podem recusar esse fone só por essa  característica, mas na verdade ela pode ser entendida como uma grande vantagem. Primeiramente porque na natureza os sons agudos costumam se dissipar com mais rapidez que os sons graves e não é comum escutarmos todos os agudos de uma fonte sonora, por estamos sempre a alguma distância mínima. Ou seja, essa diminuição de agudos torna o som mais natural (apesar de que, de fato, considero um som menos “analítico” que o do DT 880, por exemplo). Em segundo lugar, o nosso ouvido é mais sensível a uma certa região dos agudos, e um fone com muitos agudos certamente acelera o nosso processo de perda auditiva. Com isso, o HD 600 acaba tendo vantagem, tornando escutas longas mais saudáveis.
  2. O palco sonoro desse fone é realmente pequeno, mas nem tanto. Nada que se compare ao HD800, HD598 ou o AKG K701, mas há espaço suficiente para notar camadas do som, forma e fundo. Esse não seria um dos meus fones mais indicados para assistir filmes ou escutar música clássica, mas a ideia de precisão de palco sonoro, tão útil para gamers, é claramente encontrada aqui.
  3. Os graves vão depender do seu amplificador. De fato, se você estiver utilizando esse fone com o seu celular ou algum receiver comum, os graves não parecerão tão bons quanto o restante o espectro sonoro desse fone. Mas basta utilizá-lo com um bom amplificador e os graves virão à vida. Na época do seu lançamento, o HD 600 possuía algum destaque, mas não era tão venerado quanto foi após dez anos do seu lançamento. Uma mudança importante nesse meio tempo foi o lançamento de mais e mais amplificadores portáteis ou a um preço acessível, que passaram a permitir todo o potencial desse fone de ser utilizado.

O grande foco desse fone está nos médios. Há uma naturalidade absurda nas vozes reproduzidas por meio desse fone. Poucos fones nessa faixa de preço soam tão naturais com voz, violão ou piano (que produzem sons focados nos médios), mesmo levando em consideração fones lançados recentemente. Mas esse fone precisa de um bom amplificador para entregar esse som tão admirado.

Escutando o álbum “Geraldo Azevedo – Ao Vivo” com o HD 600, tenho a impressão de que o cantor está bem perto de mim, como se eu estivesse no palco. Se comparo com o AKG 702, por exemplo, o cantor se afasta, como se eu estivesse assistindo o show em uma das primeiras filas da plateia. Se eu escuto com o DT 880, o palco sonoro fica um pouco menor que o K702 e claramente a quantidade de agudos aumenta, melhorando a sensação especial do som em relação ao HD 600, mas fica um pouco a presença do músico parece um pouco mais afastada, como seu eu estivesse ouvindo logo em frente ao palco, onde posso ouvir o som direto do músico, mas estando bem perto da caixa de som, me fazendo escutar uma parte dos agudos que naturalmente se dissiparia antes de o som chegar aos meus ouvidos.

Escutando o álbum “Come Away With Me”, de Norah Jones, dá pra notar alguns pontos muito satisfatórios do HD 600. Primeiramente, quase não há sibilância na voz da cantora, algo muito recorrente quando a letra “s” é pronunciada ao ser reproduzida em outros fones de ouvido com agudos mais abundantes. Ao mesmo tempo, a presença vocálica fica bem notável e natural, assim como o movimento do violão ou do piano, que se tornam mais dinâmicos do que em outros fones. A rapidez do fone aqui é bem notável também: os sons parecem precisos e sem excessos, não adicionando nenhum corpo excedente notável no som, mesmo com a presença notável de graves (apesar de os graves não serem de forma nenhuma abundantes).

Conclusão

Não divagando demais sobre o som desse fone, eu diria que ele é um meio-termo excelente. O “superpoder” desse fone, como eu disse acima, está na naturalidade da sua reprodução em geral, mas especialmente nos médios. Várias pessoas podem listar alguns problemas desse fone, mas eu acho que é muito notável pensar que recorrentemente o comparam com fones que são cinco vezes mais caros do que ele (ou mais) e também, novamente, é interessante notar a longevidade que esse fone vem sustentando. Com isso, é um dos fones mais importantes que consigo imaginar – e um dos mais competentes também.

Pra quem é esse equipamento?

Esse fone é para quem está afim de ter uma referência sólida no mundo da audiofilia de fones ou utilizá-lo para uma escuta clínica profissional por muitas horas seguidas.

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