Nenhum microfone funciona como nosso ouvido. Falta-lhe um cérebro. É por meios subjetivos que temos a chamada discriminação binaural (também chamada de separação/ integração binaural). Essa nossa propriedade neurológica faz parte do Processamento Auditivo (P.A.) e basicamente significa que temos a capacidade de selecionar e discriminar diferentes sons que alcançam o nosso ouvido, priorizando aqueles que temos mais interesse. Por exemplo, enquanto duas pessoas conversam em uma calçada, é comum que elas ignorem o barulho dos carros que passam na rua (exceto se forem barulhos muito altos). A discriminação binaural pode ser menos eficiente de pessoa para pessoa.
(Para entender um pouco mais sobre essa propriedade neuro-fisiológica que nós temos, indico a leitura do texto “Neuroaudiologia e processamento auditivo: novos paradigmas”, disponível em http://www.moreirajr.com.br/revistas.asp?fase=r003&id_materia=3563)
Pois bem, não temos essa propriedade nos microfones. Se você estiver em uma palestra em uma sala fechada sem tratamento acústico, você provavelmente vai entender tudo o que estiverem dizendo. Entretanto, se você gravar a palestra com qualquer tipo de microfone e depois for escutar a gravação, perceberá que a palestra se tornou menos inteligível. Isso ocorre porque enquanto você estava presente na palestra, você ignorou a reverberação presente no local e focou no som vindo da fonte desejada. Nenhum microfone fará isso.
Por isso, além do desenho físico do microfone (que vimos nesse post), tentamos emular essa seletividade ou direcionalidade através do padrão polar do nosso ouvido. Perceba que eu não vou afirmar aqui que um microfone é “mais direcional” que outro. Considero essa afirmação muito estranha, uma vez que um microfone que todos os microfones possuem uma direção própria.
O primeiro padrão polar é o padrão polar do ouvido. Faça o seguinte experimento: feche um dos ouvidos com os dedos e tente ouvir sons vindos de diferentes direções. Você vai perceber que você conseguirá ouvir sons vindos de todos os lados. Sons vindos do lado oposto ao lado do ouvido que permaneceu aberto serão afetados pela cabeça, que acaba servindo como anteparo para algumas frequências, mas o fato é que seu ouvido consegue perceber sons vindos de todos os lados. Portanto, o ouvido é Omnidirecional.
O padrão polar omnidirecional foi o padrão polar dos primeiros microfones criados. Como qualquer padrão polar, existem vantagens e desvantagens de se usar essa opção. O padrão polar é muito comum em lapelas. Uma vez que o microfone é instalado no peito de um ator, por exemplo, é permitido que ele movimento o rosto e seja menos perceptível para o microfone. Outra vantagem, citada por Tomlinson Holman, é que se um problema como um pequeno vento atingir uma parte do globo de sensibilidade do microfone, será menos notável que em outro tipo de padrão polar.
Algumas pessoas gostam de usar microfones omnidirecionais para ambiência, mas creio que isso seja mais interessante para ambiências mono, uma vez que o microfone omnidirecional não te dá muito senso de localização em sinais estéreos ou multi-canais. Mas é uma opção para ambiências também. Creio que também seja um microfone interessante para gravações de várias fontes sonoras ao mesmo tempo desde que, novamente, o senso de localização não seja relevante.
O segundo padrão polar inventado foi o bidirecional, popularmente conhecido como Figura-8, uma vez que parece com o algarismo. Esse padrão polar estava originalmente presente em microfones de fita, que são compostos por uma fita metálica sobre um campo magnético. Se você colocar um papel na sua frente, perceberá que o papel ira vibrar se você falar em frente ao papel ou atrás dele, mas não irá vibrar se você falar ao lado do papel. O microfone de fita e o padrão figura-8 foram inventados porque, originalmente, o microfone omnidirecional possuía pouca sensibilidade para agudos. Até hoje, o microfone de fita é recorrentemente utilizado para gravar instrumentos musicais mais agudos, como flauta ou violino.
O padrão polar figura-8 é muito pouco utilizado, tendo suas aplicações mais voltadas para instrumentos musicais bem específicos (em especial, instrumentos de percussão). Antigamente, era comum esse padrão polar ser utilizado para duetos, mas uma vez que as duas vozes atingiam o diafragma do microfone ao mesmo tempo em direções opostas, elas interagiam construtivamente ou destrutivamente dependendo da distância que as pessoas estavam do microfone, o que poderia causar efeitos indesejáveis de mudança de tom. Mas é importante que o profissional de som saiba da existência desse tipo de padrão polar para aplicações específicas. Gostaria muito de ver exemplos de utilização desse tipo de microfone nos comentários, mas eu particularmente nunca necessitei desse padrão polar.
Uma vez que entenderam que os dois padrões polares originais não eram práticos em algumas maneiras diferentes, a ideia surgiu de combinarem os dois padrões. Assim, surgiu o padrão Cardioide (assim chamado por ter um formato parecido com o de um coração), que combina algumas características do figura-8 e do omnidirecional. Na prática, o Cardioide é um padrão que parece algo como se você tentasse pegar uma bola de futebol cheia e forçasse o microfone no buraco do pito de encher a bola. É um padrão que foca mais naquilo que vem da frente e dos lados, perdendo sensibilidade para o que vem de trás do microfone.
Isso é particularmente útil em microfones de bola, evitando que o manuseio físico do microfone passe para o sinal. Esse padrão é tão relacionado com o microfone de bola que é comum que esse microfone seja chamado apenas de “cardioide”. Como o microfone de bola é o microfone mais utilizado do mundo, creio que também podemos dizer que o padrão cardioide é o mais utilizado do mundo. Certamente é o favorito para a captação da voz, sendo também o mais presente em microfones de largo diafragma.
Entretanto, o padrão polar cardiode pode produzir um som limpo demais, o que pode ser indesejável para aplicações audiovisuais, por exemplo, onde um som muito limpo pode soar pouco natural. Para isso, existe o padrão polar Hipercardioide, que é um meio termo entre o padrão polar cardioide e o padrão figura-8. Basicamente, é cardioide um pouco mais alongado e com uma “cauda” uma pequena zona sensível na parte traseira do microfone. Ou seja, é um padrão polar que tem menos sensibilidade nas laterais, mas não tanto quanto um Figura-8. Por ser mais alongado e possuir essas outras características, é o padrão mais utilizados em microfones com tubo de interferência (Shotguns).
Na prática, o Hipercardioide capta bem a voz sem deixar de captar a ambiência do local, o que pode ser muito útil quando o ambiente é importante para a gravação. É comum utilizarem esse microfone para captarem sons próximos, porém diferentes, como uma pessoa tocando violão, por exemplo. Mas podemos dizer que onde esse tipo de microfone realmente brilha é em aplicações audiovisuais. O movimento da vara de boom se torna mais perceptível se o microfone acoplado for um cardioide, por exemplo.
É interessante notar que o hipercardioide também pode ser chamado de Supercardioide. Alguns locais vão diferenciar esses dois tipos, dizendo que um é mais alongado que o outro mas, na prática, ambos são a mesma coisa. O termos “ultra-cardioide” é um termo comercial utilizado para definir uma combinação do padrão hipercardioide como um tubo de interferência de um microfone shotgun e é incorreto usá-lo para definir um padrão polar por si só.
Por último, temos o padrão polar Subcardioide. Esse padrão polar é um meio termo entre o padrão omnidirecional e o cardioide e basicamente é um omnidirecional menos sensível em um dos lados, mas não tanto quando o cardioide. Uma das aplicações mais comuns desse microfone é utilizá-lo em microfones plantados, que ficam em locais fixos no estúdio, normalmente contra uma parede ou superfície. Entretanto, cada vez mais microfones plantados são incomuns em aplicações usuais, tendo sido mais utilizados em obras mais voltadas para performance artística ou video-performance, onde o microfone fica plantado em locais estratégicos para pegar a movimentação do artista. Porém, particularmente creio que o cardioide serviria tão bem quanto para o mesmo propósito.
Fiz as figuras presentes nesse post para que fosse mais fácil compreender como os padrões polares funcionam, mas em geral elas são representadas como coordenadas polares, como podemos ver abaixo.
Representação comum de padrões polares (Retirado de http://www.proaudioland.com/news/microphone-polar-patterns-2/) |
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