Quando iniciamos a construção de um Home Studio, normalmente não temos muito dinheiro. É a vida… Com isso, buscamos soluções mais baratas para fazer o tratamento e isolamento acústico. Uma dessas soluções é comprar ou juntar caixas de ovo e colocar na parede do cômodo onde se pretende fazer o tratamento acústico. Essa é uma ideia bem ruim, por motivos que vou elencar abaixo. Mas, antes disso, vamos relembrar o que são tratamento e isolamento acústico.
Isolamento acústico é, como o nome diz, impedir a passagem de som para um determinado local. No caso dos estúdios, quer dizer que o som que vem de fora não entra e o som de dentro não sai. Não existe isolamento perfeito, mas há um nível onde o ruído externo se torne desprezível. O isolamento perfeito só seria feito, até onde sabemos, por meio do vácuo. Isolamento é feito através de trabalhos na alvenaria do cômodo, é mais caro e possui variáveis que complicam (como fazer o isolamento e manter a circulação de ar).
Tratamento acústico refere-se a melhorar e tornar mais controlado o som dentro de um cômodo, evitando assim alguns fenômenos como reverberação, filtro pente, flutter, etc. É aqui que entram objetos como armadilhas de grave, difusores, dispersores, esponjas lisas ou perfiladas, etc. É normalmente mais barato e mais urgente, uma vez que em algumas horas do dia o barulho externo talvez não seja tão alto (diminuindo a importância do isolamento) e é basicamente inviável reproduzir, editar ou gravar som em um ambiente sem tratamento acústico e esperar alta fidelidade sonora.
As caixas de ovo tem zero de influência no isolamento acústico, mas possuem algumas propriedades no tratamento acústico. Elas, de fato, alteram o som do ambiente e podem inclusive melhorar o som do local, mas espero que, lendo as próximas linhas, eu possa convencer quem lê de que essa é uma péssima ideia. Vamos lá…
1. Caixas de ovo acumulam umidade e podem ser um foco de mofo e baratas.
Esse é o motivo que já deveria ser o suficiente. Pelas suas estruturas de papelão, as caixas de ovo têm facilidade de acumular umidade e são bastante difíceis de limpar corretamente. Além disso, o espaço fechado por trás das caixas pode atrair insetos como baratas, formigas e até mesmo escorpiões, dependendo do local onde for o cômodo. Com isso, torna-se um item insalubre.
2. Caixas de ovo pegam fogo com alguma facilidade.
Caixas de ovo não são tão inflamáveis como alguns tipos de espuma (e, por isso devemos sempre colocar espumas antichama em estúdios) e como um estúdio é um local com muitos equipamentos elétricos e com muitos equipamentos que aquecem, torna-se um ambiente onde se deve ter cuidado redobrado com a segurança nesse aspecto. Já tivemos no Brasil uma enorme tragédia em um local onde o tratamento acústico não seguiu regras básicas de segurança dos bombeiros. Isso nos lembra da enorme responsabilidade ao projetar um local. Segurança deve estar acima de tudo.
3. O cheiro acumulado pode atrapalhar o trabalho no estúdio.
Quem já esteve num estúdio com essa marmota de caixa de ovo na parede sabe: depois de uns meses, o cheiro pode se tornar notavelmente desagradável. Uma vez que é relativamente difícil de fazer a limpeza dessas caixas e somado ao acúmulo de umidade e do que esteja sendo feito no lugar (especialmente se alguém tiver a prática de fazer refeições nesse cômodo) o cheiro pode ser um fator negativo a ser ponderado.
4. A absorção feita pela cartolina é bem capenga.
O coeficiente de absorção da cartolina de que a caixa de ovo é feita é muito baixo. Quando falamos de tratamento acústico, a nossa preocupação é mais voltada para graves e médios-graves que é onde o som mais cria problemas num cômodo fechado. O coeficiente de absorção (simplificando) é um valor entre 0 e 1, onde 0 seria uma total reflexão sonora e 1 seria 100% de absorção. Vejamos na tabela abaixo os valores para uma caixa de ovo:
(Fonte: https://www.audiorecording.me/do-egg-cartons-work-for-soundproofing-acoustic-home-studio-treatment.html Os gráficos foram feitos pelo Ethan Winer, um ótimo engenheiro acústico referência no assunto.)
Na tabela, podemos ver que a absorção em 125hz (graves) é por volta de 4%, nos médios fica por volta dos 50% e nos agudos temos por vota de 70% de absorção. Em espumas ou lã de vidro ou lãs de rocha, a absorção de agudos é 100%. As boas armadilhas de grave de lã de vidro ou de rocha também absorvem 100% dos médios e pelo menos 20% dos graves. Com isso, podemos ver que, para a caixa de ovo ter algum efeito de absorção notável, precisaremos lotar o cômodo com elas, o que intensificaria bastante os problemas listados nos itens anteriores. E mesmo assim ainda teríamos problemas com os graves…
5. A caixa de ovo atua muito bem como um difusor… De uma frequência inútil.
Iremos mergulhar mais em difusão acústica em posts futuros, mas aqui basta dizer que a difusão é uma técnica esperta de não perder a energia sonora com a absorção (o que pode tornar o som bastante morto) mas ao mesmo tempo difundir o som e evitar que problemas como reverberação ocorram. Para criar um difusor, o montamos com diversas profundidades diferentes, como na figura abaixo.
As profundidades são definidas através do uso de algumas fórmulas, levando em consideração o tamanho da sala. Para difundir frequências graves, o buraco precisa ser mais profundo e para difundir frequências agudas, o buraco precisa ser relativamente fino. A caixa de ovo não é nem uma coisa nem outra. Pela profundidade e largura da cavidade onde coloca-se os ovos e contando que a profundidade é a mesma em todas as cavidades, só iríamos uma frequência por volta de 2,5k Hz e 4kHz, podendo variar segundo o tamanho da cavidade (uma diferença em milímetros já poderia alterar a frequência difundida, mas sempre estaríamos em torno dos valores acima). Ou seja, em termos de difusão, realmente as caixas de ovo dão resultado, mas esse resultado não tem nenhuma aplicação prática.
(Os cálculos foram feitos usando os princípios de difusão a partir do valor do tamanho de 1/4 de onda, utilizando as calculadoras existentes no site http://mh-audio.nl/spk_calc.asp)