Em todo filme, há um ouvido solto no meio do cenário. Esse ouvido, obviamente, é o de quem assiste o filme: O espectador. A partir do momento em que o desenho sonoro de um filme começa a ser delineado, temos a questão de qual é a posição desse ouvido dentro do espaço fílmico.
É um tópico um tanto complicado: se apenas ouvirmos o áudio de um filme, tendo uma noção básica de como é o cenário onde acontece a ação, dificilmente poderíamos apontar o local exato onde esse ouvido se localiza. Isso acontece por dois motivos: O primeiro é que, ao contrário da imagem, a mudança do som de um local para outro de um mesmo cenário pode ser extremamente sutil, sendo normalmente mais notáveis em frequências agudas. A segunda questão é que muitas vezes a captação de som é feita em vários pontos do mesmo espaço com diversos microfones – ou muitas vezes em um espaço completamente diferente (sons feitos na pós-produção).
Como exemplo, pensemos que uma cena pode ser gravada com um microfone lapela em cada ator e um shotgun para pegar sons de ação da cena, provenientes de objetos ou de qualquer pessoa que não esteja com um lapela. Nesse caso, já teremos 4 pontos de escuta diferentes na cena. Além disso, na edição, é comum que seja adicionado a trilha de ambiência, que normalmente é um som constante e que apresenta uma característica sonora genérica daquele local. Isso confunde ainda mais a nossa localização de um ponto de escuta.
Entretanto, essa confusão de pontos de escuta não é passada ao espectador, o que, a princípio, significa o seguinte: o mais importante é o efeito criado – e não a capacidade de objetivamente apontar o local onde se escuta. Seguindo os estudos de Michel Chion, podemos dividir esses pontos de escuta em três tipos:
Ponto de escuta espacial: Esse é o ponto de escuta da câmera, também chamado de ponto de escuta do espectador. Nem sempre esse ponto de está sobre a câmera, mas entender como o posicionamento da câmera e o som se afetam mutuamente nesse ponto de escuta é um bom ponto de partida para entendê-lo. Normalmente, esse ponto de escuta segue o tipo de plano escolhido na decupagem da imagem como referencial sonoro, ou seja, se a fonte sonora está longe da câmera, o som também será ouvido ao longe, e vice-versa. Entretanto, esse ponto de escuta pode estar em outros lugares do espaço fílmico.
Ponto de escuta subjetivo: É o ponto de escuta da posição onde está o personagem, ou seja, é o ponto de escuta que ouve aquilo que o personagem ouve. Obviamente, uma mesma cena pode ter vários pontos de escuta subjetivos, basta que tenha um microfone perto de cada personagem. O microfone lapela é, seguindo essa definição, um microfone basicamente de ponto de escuta subjetivo. É o ponto de escuta mais invisível e, portanto, o que é considerado “padrão” em muitas obras audiovisuais.
Ponto de escuta introspectivo: Esse é o ponto de escuta que leva não só em consideração a posição do personagem, mas também o seu estado mental. Ou seja, é o ponto de escuta que ouve aquilo que o personagem ouve, da forma como o personagem ouve. Se o personagem estiver lidando com algum trauma, é possível que algum som o lembre desse momento ruim. Por exemplo, o personagem pode confundir o som de uma porta batendo com o som de uma explosão. Quem editar o som, acabará trocando os sons, causando um efeito meta-diegético, onde o pensamento do personagem altera o som do ambiente. É comum esse ponto de escuta ser encontrado em personagens bêbados, em estados de alucinação, surdos (temporariamente ou permanentemente) ou em momentos onde o personagem tem uma ideia ou chega a uma conclusão.
Como citei acima, é claro que uma mesma cena pode ter diferentes pontos de escuta, mas é interessante entender seus efeitos na hora de fazer um desenho de som. Como exemplos: o ponto de escuta espacial faz com que nós não consigamos entender o que os personagens estão dizendo; o ponto de escuta subjetivo nos permite ouvir claramente pelo menos o personagem principal; e o ponto de escuta introspectivo nos permite entrar no íntimo do personagem através do som.