Como evitar aquele vizinho barulhento

Na minha carreira como professor de som para cinema, muitas questões trazidas pelos alunos são recorrentes. Algumas dessas questões já estão sendo respondidas em outras publicações, mas nessa gostaria de falar de uma questão que alguém traz em quase todas as turmas que inicio. Sim, em quase todas as turmas pelo menos um aluno ou aluna vem reclamar de barulho perto da sua casa e como seria possível evitá-lo.

O ruído pode ser de um vizinho mal-educado que coloca um som alto e não se importa com isso. Pode ser que você more ou trabalhe em uma rua extremamente movimentada e que o trânsito não dá trégua, mantendo um constante fluxo de ruído perturbador. Pode ser simplesmente que você more em um prédio e os prédios atuais simplesmente não foram projetados para criar um bom isolamento acústico entre os apartamentos. Entre em um prédio mais antigo, feito com mais material e menos precisão da engenharia atual e verá que é mais silencioso que prédios mais modernos.
Hoje, um ruído constante pode ser simplesmente de um vizinho de cima que anda em casa com um sapato que faz um pouco mais de barulho ou que possui muitos móveis que precisa arrastar em momentos de faxina. Além disso, como os prédios possuem muitos apartamentos, é bem comum que algum vizinho esteja fazendo reformas, o que inevitavelmente também poderá ser um som chato de se lidar, por mais que a reforma dure pouco.
Mas quais são as nossas opções? Bom, as notícias não são tão boas, mas vamos lá para as cinco alternativas que temos para lidar com esses sons indesejáveis.

Opção 1: Isole seu cômodo

Creio que essa seja a primeira opção que as pessoas falam, apesar de muitas vezes não poderem ver a realidade como um todo. Isolamento acústico é um processo caro e que idealmente deve ser feito já na planta do imóvel para levar em consideração tudo o que é necessário. O grande objetivo de um isolamento acústico é o de impedir a troca de energia sonora de fora do cômodo para dentro e vice-versa. É importante pensarmos como energia, porque o que faremos é enfraquecer esse som para tornar imperceptível. Na verdade, o isolamento absoluto só seria possível no vácuo e ainda assim existem teorias que questionam isso. O que faremos ao isolar um cômodo é enfraquecer a energia sonora.
Para isso, vários materiais são utilizados. Em geral, uma parede mais espessa ajuda a isolar mais. E uma parede que em seu interior contenha materiais como lã de vidro ou de rocha podem ajudar a isolar bem, mesmo que a parede não seja tão grossa. Já vi casos de pessoas que isolaram a parede colocando outra parede na frente, fazendo uma parede dupla. De qualquer forma, mexer na parede é caro e por vezes arriscado. O ideal e correto, caso realmente se queira modificar as paredes, é contratar profissionais da área para fazer o serviço. Esse é um dos casos que o barato pode sair caro!
Mas o foco mesmo pode ser nas janelas e nas portas. Essa é uma opção mais urgente que cuidar das paredes, porque é através da janela e das portas que a maior parte do som entra no cômodo. Comprar uma janela dupla e uma porta espessa e com vedação no seu arco é a opção mais direta, mas também se pode fazer alguma gambiarra como fazer um tampão como madeira e lã de rocha para colocar na janela e tentar selar as frestas da porta de alguma forma. Novamente, o ideal é estudar bem antes de fazer ou contratar uma empresa especializada. Nunca arrisque! Não coloque a vida ou o patrimônio seu ou dos outros em risco por causa de uma gambiarra.
Antes que eu me esqueça, não custa lembrar: espuma não isola acusticamente um quarto. Espuma pode ajudar no tratamento acústico, não no isolamento acústico. Lotar o cômodo de espuma, por mais que seja antichama e de boa qualidade, não vai isolar melhor o local!
Se fazer um bom isolamento ou apenas focar nas janelas ainda não for uma opção para você, tente criar um mascaramento acústico. Um mascaramento acústico é você colocar um som que considera aceitável sobre um som que considera irritante. Por exemplo, há alguns anos morei em um apartamento em que meu vizinho de baixo era recorrentemente barulhento em várias horas do dia. Tentei falar com ele mas não adiantou. Acabei colocando um ar-condicionado portátil no quarto. O ar era bastante barulhento, mas era um ruído constante, quase um ruído rosa e com o tempo eu me acostumei. Esse ruído cobria o barulho do meu vizinho e nunca mais tive problemas com ele. Para o mascaramento, você pode usar outras opções, como sons de ASMR, uma televisão ou uma música ou algum som da natureza (chuva, vento, cachoeira) que estão em vídeos de até 10 horas no YouTube, mas tenha consciência se você não está apenas aumentando o barulho na vizinhança. Além disso, lembre-se de que um ruído constante e muito alto pode prejudicar permanentemente a sua audição, então o ideal é que o mascaramento nunca passe de algo em torno de 80dB SPL.
O grande problema de isolar o seu cômodo está na circulação de ar. As pessoas muitas vezes não levam isso em consideração. Pode parecer óbvio, mas não é errado lembrar: não dá para isolar acusticamente e manter a janela ou a porta aberta. E, fechando a porta, pode esperar um calor. Se você mora em lugar frio, isso nem sempre é um problema (isolamento acústico e isolamento térmico muitas vezes andam juntos), mas se você mora em algum lugar que é uma prévia das chamas do inferno, pode acreditar que isso vai ser um grande problema. Aparentemente, no ano passado, alguns cientistas de Boston desenvolveram no ano passado um material que permite a passagem de luz e de ar, mas impede a passagem de som. Mas, no momento, isso é só algo restrito a laboratórios e isolamento acústico requer obrigatoriamente a presença de um ar-condicionado. Vamos para a segunda opção.

Isole seu ouvido

Passada a opção mais complexa de isolar seu cômodo, vamos às opções mais simples. Isolar o ouvido é feito através da possibilidade de vedar ao máximo o acesso do som ao tímpano. Pode-se conseguir isso através de algum tampão ou abafador de ouvido ou através de fones de ouvido. Por mais que eu não goste de fones de ouvido intra-auriculares por vários motivos de saúde, esses são os mais eficientes em isolar quando são bons fones. Pode-se também comprar um fone de ouvido com cancelamento de ruído, o que pode ajudar ainda mais a anular as frequências graves, que são o grande problema de qualquer isolamento.
O problema mesmo de fazer isso é uma questão de saúde. Nossos ouvidos não foram feitos para ficarem tapados o dia todo e existem várias advertências com relação à usar um fone de ouvido por muito tempo sem dar um descanso ao ouvido. Além disso, há a questão do desconforto e inconveniência de se ficar usando um fone de ouvido por muito tempo. No caso do sono, existem tampões de excelente qualidade que talvez sejam melhores para o seu ouvido do que ficar usando fones para dormir. Em todo caso, é importante consultar um médico otorrino no processo de utilizar algo pra barrar sons ao seu ouvido continuamente para poder acompanhar  se algum danos está sendo causado à sua audição ou a alguma parte do seu ouvido.
A opção de tapar os ouvidos é bastante útil em situações atípicas e temporárias, como uma pequena reforma de um vizinho ou uma festa de aniversário esporádica na vizinhança, mas não acredito que seja uma boa opção para um uso contínuo.

Aprenda a lidar com o ruído

Se você já fez alguma aula de meditação, vai saber que um dos primeiros passos para uma meditação correta é convidar e aceitar os sons ao seu redor, não entendendo como uma perturbação, mas sim como uma parte do local onde você está. É um processo esquisito, mas bastante cômodo e que não custa nada. De fato, muitos ruídos são altos o suficiente para ser impossível de se lidar, mas muitos não são.
Há alguns anos morei ao lado de uma academia. Era uma “academia raiz” onde os pesos não são emborrachados e, todas as vezes que alguém colocava uma anilha numa barra, havia um barulho alto de uma anilha encostando na outra. A academia funcionava das 5 da manhã à 11 horas da noite, então a todo momento eu ouvia o barulho de ferros se encostando e me perturbando. A solução que achei foi a de começar a frequentar a academia. Em menos de duas semanas, aqueles sons já não me perturbavam mais. Acredito que ir lá e usar os pesos passou a ter outro significado para o meu cérebro que não o de uma perturbação.
Às vezes não há muita opção e é necessário absorver aquilo. Essa não é uma boa opção, porque independente de qualquer coisa, o corpo precisa de um ambiente tranquilo para descansar. Mas, de fato, pode evitar estresses. Mude a sua forma de encarar aquele ruído e talvez a situação se torne mais favorável.

Mude seu horário de trabalho ou descanso

Se nenhuma das opções acima for possível, o melhor mesmo é mapear os horários de maior perturbação sonora e tentar fugir em momentos mais complicados. Tenho uma amiga que possui um apartamento que fica em um local onde é comum fazerem festas com carros de som aos sábados e domingos durante todo o dia. É um inferno. A forma que ela usou pra lidar com isso foi passar a visitar os pais no interior durante o final de semana, hora que ela não está trabalhando. Infelizmente, não temos muito como controlar a nossa sociedade barulhenta de hoje, especialmente nas grandes cidades, e o princípio “fugere urbem” (fuga da cidade) é uma opção.
Outra opção é entender que as madrugadas são mais silenciosas e às vezes é mais proveitoso estudar ou trabalhar nesse horário, dependendo do que você faça da vida. Isso, claro, pode significar que você vai ter que dormir em um horário onde há algum barulho, mas enfim, é uma opção.

Se mude!

Se nada mais der certo, faça um plano de se mudar para um lugar mais silencioso. Vai fazer o que? Matar o vizinho? Não pode né, tem lei que diz que não pode. Mas se mudar pode. Pode ser um lugar mais afastado ou um apartamento em um andar mais alto. É absurdo dizer isso: você talvez tenha uma casa própria, tenha zero condições de se mudar ou não possa se mudar por algum outro motivo. De fato, se você olhar bem para a nossa lista acima, não há nenhuma opção que considero boa. Esse post originalmente era para ser uma introdução ao isolamento acústico, mas vejo-o mais como a tragédia moderna da falta de educação acústica, o que prejudica a nossa sanidade mental, nosso descanso, nossa privacidade, nossa produtividade e, acima de tudo, nossa felicidade.
Não tenho palavras para descrever o que fizemos com a nossa sociedade em termos acústicos. Nunca tivemos tanto o poder de fazermos tanto barulho. Como isso também interfere nas relações de poder, muita gente pode ter prazer em deixar um som alto, mesmo isso sendo altamente prejudicial para o vizinho. Você pode perceber também que eu não citei como uma opção chamar a polícia, porque ainda não conheço um caso onde chamar a polícia resolveu o problema. Nem sempre a polícia aparece e, quando aparece, muitas vezes a solução é temporária – o vizinho para o barulho e retorna logo depois da saída dos policiais. Às vezes também, as pessoas não chamam a polícia com medo de represália do vizinho barulhento.
É triste, amigos: Cidades superpovoadas com muitas pessoas juntas e sem um bom senso para esse tipo de coisa. Isso sem contar o barulho dos automóveis, eventos, rede elétrica, enfim. Queria terminar esse post com uma solução perfeita, mas não consigo. Qualquer dia desse eu vou pegar meu bonde e ir morar na Lua que é mais certeza de ter algum sossego.

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