Existem vários tipos de obras audiovisuais. Existem aquelas com um grande orçamento e com um baixo orçamento. Existem inclusive aquelas obras em que todo mundo trabalha de graça (filmes estudantis, alguns filmes independentes) só pra ver o cinema acontecer. Existem obras pra TV e para colocar na internet. Em todos essas obras, existe uma configuração de equipe específica, que se adequa corretamente àquele projeto e ao orçamento disponível.
Seja como for, quase na totalidade das vezes é importante que exista uma parte da equipe dedicada somente ao som. Para quem estuda cinema, pode parecer estranho formar uma equipe sem uma equipe de som. Há alguns anos, trabalhei em uma série de documentários para a TV como diretor de fotografia e uma das primeiras coisas que perguntei à produção foi sobre quem seria a equipe de som. Eles estranharam, uma vez que não viam necessidade para alguém dedicado ao som, uma vez que o áudio seria captado diretamente na câmera. Resultado: foi um desafio para a equipe de foto monitorar o vídeo e o áudio ao mesmo tempo e não houve um desenvolvimento estético do conceito de som.
Abaixo, irei elencar um número relativamente grande de funções. Nem todas elas são representadas com exclusividade por uma pessoa, mas todas as funções devem estar presentes, sendo aceitável que algumas dessas funções sejam acumuladas por uma mesma pessoa. Entretanto, o profissional do som deve se valorizar e ter noção do tanto de funções que ele ou ela está acumulando e ser devidademente pago pelo serviço.
Vamos às funções!
Desenhista de som
Esse é um termo relativamente recente, que passa a ser utilizado a partir da década de 1970 e busca afastar a noção de que a produção sonora é apenas uma área técnica. Nas décadas anteriores à criação do termo (popularizado por profissionais como Walter Murch, Tomlinson Holman e Ben Burtt) ou a direção do filme tinha uma noção ativa de que a sonicidade de um filme deveria ser pensada e “desenhada” ou o filme simplesmente sairia com um som pobre e pouco desenvolvido (com as devidas exceções, claro).
É importante notar que o trabalho da pessoa que faz o desenho de som é ainda algo relativamente desvalorizado no Brasil e que recebe pouca atenção na hora de pensar a proposta estética de um filme. Para começar, creio que seja interessante que a pessoa responsável pelo som do filme participe das reuniões criativas já na pré-produção. Conversas com a direção e análises do roteiro podem interferir diretamente na escolha de microfones, quantidade de uso do som direto ou pensamento da existência da música em cenas específicas.
É função da pessoa no desenho de som definir questões como ponto de escuta, tipos de escuta, presença da música, tipos de música que podem caber no filme, quantidade e tranparência de efeitos sonoros, noções de ambiência, etc. Obviamente, todas essas questões devem ser discutidas com a direção, que normalmente dá a palavra final, mas é essencial que essa não seja uma responsabilidade exclusiva da diretora ou do diretor, uma vez que a direção deve se preocupar com questões de basicamente todas as áreas do filme. O ideal é ter alguém dedicado à essa parte criativa.
Direção de Som
Quase não cito esse termo aqui. Creio que ele seja pouco utilizado e, por vezes, a ideia do que é um diretor ou diretora de som se confunde com desenhista de som ou técnico de som direto. A função da direção de som é compor e administrar a equipe de som, tanto na produção quanto na pós-produção. É uma função quase que logística, análoga, de certa forma, à função de 1º assistente de direção. Entretanto, como citei, essa função acaba sendo exercida por algum outro membro da equipe, mas é interessante citá-la aqui para filmes ou séries com equipes de som muito grandes.
Técnico de Som Direto
O termo “som direto” é um tanto ambíguo, uma vez que pode significar tanto o som que sai diretamente da fonte sonora (ou seja, que não é um som refletido) e também é normalmente usado no Brasil para se referir ao som de produção. O técnico de som de produção ou de som direto (chamado em inglês de recording mixer) é aquele que monitora e controla o sinal nos equipamentos eletrônicos que não são o microfone. É função do técnico lidar com equipamentos como mixer, mesa de som, gravador, mídia e alguns dos cabos.
São algumas das responsabilidades do técnico de som direto: não deixar o som estourar, mas também não gravá-lo com um ganho baixo; corretamente configurar o gravador para o formato de arquivo correto; ativar ou não a energia phantom; ativar ou não o filtro passa alta (ou Low Cut); informar o microfonista sobre sons de manipulação ou qualquer outro som que possa estar atrapalhando a gravação, caso o microfonista não esteja com um fone de monitoramento; Selecionar a frequência de transmissão com o mínimo de interferência possível para o caso da utilização de microfones sem fio; preencher o boletim de som com nomes dos arquivos e detalhes sobre o take, dizendo se funcionou ou não.
Microfonista
A função de microfonista pode ser uma das mais fisicamente cansativas do set. Quem estiver microfonando uma cena deve saber da dificuldade insana que é segurar uma vara de boom por mais de 2 ou 3 minutos. Muitas pessoas acham simples e fácil até de fato tentarem. Poucas são as pessoas que eu já vi conseguirem segurar corretamente a vara de boom por mais de 5 minutos. Em geral, depois do primeiro minuto, é comum os braços começarem a tremer. E essa é só uma das dificuldades de ser microfonista.
Deixarei pra me aprofundar mais na tarefa do microfonista em outro post, mas fica estabelecido que a função do microfonista é de captar o sinal da melhor forma possível. Para isso, é necessário que o microfonista se aproxime da fonte sonora o máximo possível (com raras exceções) e entenda bem o tipo de microfone que está sendo utilizado. No cinema, em geral, é mais comum encontrarmos shotguns e lapelas, mas é recorrente a utilização e microfones XY, AB, “de bola” ou largo diafragma, especialmente em documentários. O shotgun, em geral, é atribuição do microfonista. O lapela, entretanto, pode ser “instalado” tanto pelo microfonista quanto pelo técnico, mas não é manuseado pelo microfonista durante a gravação, uma vez que está preso ao corpo do ator ou plantado em algum lugar fixo do set.
Assistente de som
Essa é uma função por vezes ignorada, mas que nunca deixa de acontecer no set de um filme. Nunca. É função do assistente de som: enrolar os cabos, guardar o equipamento corretamente, carregar baterias, descarregar cartões de memória e auxiliar o técnico e microfonista no que que for necessário. às vezes, por falta de tempo do técnico (que deve focar no monitoramento do sinal), o assistente é aquele que preenche o boletim de som.
Logger
Essa não é uma função exclusiva da equipe de som, mas é o divisor de águas entre a produção e a prós-produção e cumpre papéis fundamentais para a equipe de som. O logger é o profissional que recebe os arquivos e o organiza em pastas no computador. Em caso de gravação em midia analógica (como fitas magnéticas), o logger é aquele que transcoda essa gravação para digital. Pode ser também considerada como função do logger a sincronização de áudio e vídeo já no programa de edição. Entretanto, é raríssimo encontrar alguém que seja dedicadamente um logger. Há alguns anos conheci um em uma TV, que recebia as fitas mini-dv da equipe de jornalismo (incontáveis fitas chegavam a todo momento) e importava as gravações para o computador. Com o fim da TV analógica, creio que dificilmente conhecerei outra pessoa que trabalhe exclusivamente com isso. Normalmente, essa função é executada por quem faz a edição de vídeo.
Editor de som
O editor ou editora de som é aquela pessoa que coloca as unidades sonoras no lugar certo. O som de produção normalmente foca apenas nos diálogos e é comum que a função da edição de som seja notar quais sons estão faltando e colocá-los no lugar certo na linha de tempo. A edição de som começa quando a edição de vídeo termina. O editor de som, o desenhista de som e a direção podem participar so primeiro momento, onde existe uma listagem chamada de Cue Sheet (que falarei mais detalhadamente em outra postagem) que basicamente consiste em listar quais são os sons que estão faltando e onde exatamente eles devem ser colocados na linha do tempo.
Quando a listagem fica pronta, o editor manda para as equipes que vão capturar os sons: a equipe de música, a equipe de foleys e a equipe responsável pelos sons de arquivo (falo mais sobre essas equipe abaixo). Uma vez que as equipes mandam os sons de volta, o editor ou editora termina o trabalho e manda pra quem está responsável pela mixagem, equalização e correções.
Equipe de música
Não vou entrar muito nesse tópico aqui, uma vez que a equipe de música é um assunto muito extenso e que irá compor uma outra postagem. A equipe de música é composta por diversos setores: a composição, que tenta desenhar a música mais adequada para a cena; a execução da música em si, que pode envolver diversos músicos e musicistas; a equalização, mixagem e masterização da música, entre outras funções.
É importante notar que nem toda pessoa que mixa para cinema sabe mixar músicas corretamente e vice-versa. São áreas distintas. Por exemplo, questões como compressão são muito mais presentes no universo musical que no audiovisual. Da mesma forma, algumas questões de sincronização entre aúdio e vídeo (em especial, relacionadas a efeitos sonoros e como eles se misturam à ambiência) são inerentes ao audiovisual e nem sempre quem mixa músicas tem experiência com isso.
A equipe de música pode também ter uma pessoa da produção do filme, para fechar contratos de licenciamento com músicas que não foram feitas para o filme. Nesse caso, a produção do filme tem que adquirir os direitos com quem compôs a música e com a gravadora (que por sua vez possui um contrato com os músicos que gravaram música e repassam para eles parte do que o filme pagar). Em muitos casos, também é necessário que exista uma listagem de quantas as vezes a música aparecerá na obra audiovisual e quala duração de cada vez (isso pode inflenciar no valor do contrato).
Equipe de Foley
Foley é uma técnica criada por Jack Foley na década de 1930 e que torna relativamente simples a criação de boa parte dos efeitos sonoros dos filmes (em especial, passos, golpes e objetos quebrando). A técnica consiste em exibir o corte do filme e, ao mesmo tempo, executar os efeitos sonoros. Uma vez que os efeitos são criados, basta fazer uma sincronização simples com o filme e pronto. O que demora mais tempo nessa técnica é a produção dos sons e não a edição.
Para tanto, é necessário um treino extensivo por parte dos Artistas de Foley, que executarão esses sons. Uma curiosidade interessante é que esses profissionais levam esse nome nos EUA (Foley Artists). Na inglaterra, entretanto, eles são chamados de “andarilhos de Foley” (Foley Walkers) uma vez que uma boa parte, dos efeitos executados por esses artistas são os passos. Essa é, sem dúvidas, a melhor técnica para captar passos.
Sons de arquivo
Existem alguns nomes diferentes para essa função, que basicamente consiste em capturar sons fora do alcance dos Foleys. É impraticável fazer, em palcos de foley, sons como turbinas de avião, sons da natureza (pássaros, por exemplo) ou captar ambiências. Com isso, torna-se necessário ir para gravações externas para captar esses sons. Todos esses sons vão para um banco de dados e a partir daí são selecionados pelo editor ou editora de som. Com o tempo, a produtora, televisão ou instituição que trabalha com audiovisual acaba por acumular uma boa quantidade e efeitos sonoros e é comum a reutilização de alguns dos sons desse arquivo. Por isso, coloco esse tipo de som como “sons de arquivo”.
Mixagem
A mixagem nada mais é do que o ajuste de intensidade sonora (dB) das unidades colocadas durante a edição. Apesar de o editor muitas vezes ajustar a intensidade sonora do som no processo da edição, é comum o som do filme chegar bagunçado na mixagem. O comum é que os diálogos sejam as unidades mais altas, seguidas pela música, depois os efeitos e por fim a ambiência. Mas essa é uma forma muito simplista de se colocar. Cada cena tem a sua configuração específica. Daí, a tarefa da mixagem é de justamente deixar tudo em um nível onde o som se torne inteligível e organizado.
Equalização e correções
Uma vez que a mixagem organizou o nível das unidades, a equalização entra para organizar as frequências (Hz). A voz, por exemplo, pode se beneficiar muito desse processo. Um aumento por volta de 500Hz pode deixar a voz mais clara. Uma diminuição entre 1kHz e 2kHz (dependendo da voz) pode deixar a voz menos anasalada.
Outra função do trabalho como frequência é a correção de alguns problemas que possam estar presentes no áudio: remoção de ruídos como vento, frequências agudas emitidas por televisores antigos, etc; Remoção de sibilâncias (DeEsser); Remoção de ruídos de origem eletrônica (deHummer, deClicker, deClipper), dentre outros.
Por fim, entre a mixagem a equalização, estão também os ajustes temporais, como os reverbs. No som, tempo e espaço por vezes são a mesma coisa. Então se, por exemplo, for necessário criar um reverb de indicando que o sinal está em um espaço maior, o que se indica é que aumente o tempo de reverberação. Outros efeitos de alteração do som no tempo também são aplicados nessa fase.
Masterização
Por fim, pensamos na exibição final. A masterização, na origem da palavra, é a “criação de cópias-mestre para a distribuição”. Essa definição remete à fase analógica da imagem, onde eram criadas cópias-mestre e a partir dessas eram criadas cópias de exibição, e esses sistema tinha como propósito a preservação do original. Na definição atual, masterização tem mais a ver com organizar o som para o sistema que ele vai ser exibido (2.0, 2.1, 5.1 Home Theater, 5.1 Dolby, etc.). Com isso, há uma organização das faixas que compões o projeto em canais de exibição e, muitas vezes, existem novos ajustes nos níveis nesses canais, para que tudo venha soar corretamente.
Bom, por enquanto é só. Esse texto é apenas uma introdução. Postagens futuras mergulharão melhor em cada uma dessass funções.