Tipos de microfones de acordo com sua aplicação: Uma introdução

Não existe um microfone perfeito. É importante que isso seja bem esclarecido antes de qualquer coisa. Microfones são equipamentos eletrônicos que usamos para exercer a função do nosso ouvido em qualquer tipo de produção musical ou audiovisual. Entretanto, apesar de existir um microfone que, de fato, emula o ouvido (o microfone binaural, que veremos a seguir), ele não é o tipo mais utilizado e não funciona exatamente como o nosso ouvido.
Isso ocorre pelo fato de o microfone não ter o que chamamos de discriminação binaural, ou seja, ele não seleciona subjetivamente um som de um local para colocar o seu foco. Um teste interessante sobre discriminação binaural pode ser feito em uma praça de alimentação de um Shopping. Se você parar pra notar, em geral, as praças de alimentação de shoppings são extremamente barulhentas, mas não notamos. Apenas notamos a pessoa no outro lado da mesa com quem estamos conversando. Isso ocorre porque, subjetivamente, seu ouvido e seu cérebro selecionam o som que está em foco e ignora todos os outros. Nenhum microfone do mundo é capaz de fazer isso.
Por isso, todo microfone possui duas coisas que o ajudam a emular melhor o ouvido: o seu desenho físico e o seu padrão polar. Falaremos de padrão polar em outro post, mas aqui iremos focar apenas em tipos de microfone de acordo com a aplicação, ou seja, o desenho físico do microfone.
Gostaria de salientar que não abordarei absolutamente todos os tipos de desenhos de microfones aqui. Em especial, deixarei para outra postagem o tópico específico de microfones para captar instrumentos musicais. A abordagem aqui é, portanto, mais voltada para a captação de voz e utilização no audiovisual (apesar de que muitos dos microfones listados aqui podem sim captar instrumentos musicais).

Microfones cardioides “de bola”

Shure SM58
Microfones “de bola”, por vezes chamados simplesmente de cardioides (o que não é certo, já que muitos cardioides não possuem essa construção), são o tipo de microfone mais utilizado do mundo (sem contar, é claro, os microfones eletretos embutidos nos celulares). São microfones extremamente resistentes fisicamente, e que têm uma sensibilidade muito baixa, sendo necessário estar muito perto dele para que se gere o sinal corretamente. Esse microfone é, em geral, dinâmico (não precisa de uma fonte de energia externa para funcionar) e é feito essencialmente para captar voz a uma distância não muito maior que da boca para o queixo. Ou seja, esse microfone é indicado para capturar a voz em locais muito ruidosos, sem poder se afastar muito da fonte sonora. Entretanto, para mixagem e equalização, esses microfones produzem um sinal muito limitado e não são ideais para aplicações em estúdio.

Microfones de largo diafragma

AKG C214
Microfones de largo diafragma são quase que o oposto dos microfones de bola: São relativamente frágeis (dependendo do modelo), são grande maioria condensadores (precisam de energia para funcionar), são extremamente sensíveis e captam o sinal de forma abundante. Por isso, é bastante complicado usar esse tipo de microfone em locais com muito barulho. O mais interessante mesmo é utilizá-lo em locais de ruído e movimentação controlada, como estúdios.

Microfones shotgun (Tubo de interferência)

Microfones com tubo de interferência, também chamados de shotgun ou rifle são microfones condensadores comuns com um filtro que rejeita sons vindos da lateral, priorizando apenas a fatia do som que vem da frente. Fiz uma imagem para que seja mais fácil entender como funciona:

Desenho representando o funcionamento comum de um tubo de interferência (a grosso modo). Note que a cápsula do microfone está no centro do microfone. À sua esquerda, é o tubo de interferência.

Na prática, ao contrário do que muitas pessoas pensam, o microfone shotgun prioriza uma angulação do seu padrão polar. Ou seja, o shotgun não “aproxima” virtualmente o microfone da fonte sonora. Afastar o microfone da fonte sonora é um problema para as frequências agudas, que se dissipam com mais facilidade, e não é o tubo de interferência que vai mudar isso. Muitas pessoas e empresas chamam, erroneamente, esse microfone de “direcional”, o que não é bem verdade, uma vez que todo padrão polar é um delimitador direcional. Esse termo portanto, deve ser encarado mais como comercial ou coloquial do que tecnicamente correto. Outra forma absurda que as pessoas chamam esse microfone é de simplesmente “boom”, o que não poderia estar mais errado, uma vez que o Boom é a vara que segura o microfone, não o microfone em si.

Muitos alunos e amigos já me perguntaram o quanto podemos afastar um shotgun da fonte sonora. Eu normalmente digo que um bom limite máximo é 3 vezes o tamanho do tubo (note que eu disse que é o tamanho do tubo, não do microfone inteiro). Mas a melhor forma de definir isso é fazendo testes com o microfone com a fonte sonora, uma vez que a intensidade sonora da fonte é o elemento principal para definirmos a distância.

Microfones Lapela

Shure WL-93

Costumo dizer que o lapela é um mal necessário. Por mais que o microfone Shotgun emule uma aproximação da fonte sonora, normalmente é o lapela que realmente consegue fazer isso. Em geral, nenhum microfone consegue se aproximar tanto da fonte sonora e permanecer invisível. Mas isso vem a um alto custo: são consideravelmente frágeis; o diafragma pequeno compromete a captação dos graves; as roupas utilizadas não podem ser coladas ou inexistentes, uma vez que ressaltariam o lapela; no caso de documentários, não são todos os entrevistados que se sentem confortáveis ao usar o lapela; etc.
Lapelas podem ser encontrados com fio ou sem fio e nenhum dos dois é uma solução ideal. A opção com fio é complicada por razões óbvias: a pessoa que for a fonte sonora vai carregar o cabo para onde for. A opção sem fio é melhor, mas também é mais cara e nem sempre é possível conseguir um sinal sem interferência, especialmente em locais com muitas transmissões, ou seja, boa parte dos grandes centros urbanos. Entretanto, o problema da interferência se torna menor quanto mais próximo o transmissor e o receptor estiverem e cabe ao técnico de som testar as bandas de Hertz disponíveis para checar em qual delas a transmissão é melhor.
Microfones XY
Zoom XYH6
Os microfones XY não são exatamente um tipo de microfone, mas uma técnica de uso de dois microfones mono para a criação de um sinal estéreo espacializado. Entretanto, nos últimos anos, é comum ver esse formato ser vendido como um microfone só, especialmente em gravadores portáteis como o Zoom H4n, H1 ou H6. A ideia do microfone XY consiste em dois microfones que se cruzam e o direito produz o sinal que vai para o canal esquerdo e o microfone esquerdo produz o sinal que vai para o canal direito.
Com isso, o XY permanece produzindo um sinal bem espacializado estereofonicamente com a presença de uma zona mais forte no centro, na zona comum para os dois microfones. Costumo dizer que o XY é um tipo de microfone que dá pra fazer de tudo. Dá pra gravar voz, ambiências, vários instrumentos ao mesmo tempo, etc. Entretanto, tudo o que o XY gravar pode vir com muitos sons indesejáveis, então é necessário entender o tipo de sinal que ele gera antes de achar que ele é um microfone para tudo. Entretanto, eu particularmente creio que um gravador com um microfone XY pode ser considerado um ótimo começo para quem quer começar a captar diversos tipos de sons diferentes. Creio que seja por isso que muitos videomakers que filmam eventos gostam de utilizar um Zoom H1 sobre a câmera DSLR.

Microfones A-B

Tascam DR 100
Uma técnica irmã da técnica XY é a Técnica AB, onde os microfones ficam em paralelo, separados por uma distância relevante para o tamanho do microfone. Nesse caso, o microfone direito capta o sinal do canal direito e o microfone esquerdo capta o sinal do canal esquerdo. A AB é uma técnica mais antiga que a técnica XY e possui a característica de não possuir um sinal central tão notável quanto o do XY. Isso não é em si um defeito. Particularmente, creio que o microfone AB é mais interessante para captar ambiências para um filme. Nesse caso, o centro vazio é uma vantagem, já que o sinal do microfone que capturou o som direto no filme é em geral mono e se encaixa perfeitamente no centro entre os sinais do AB. Mas isso, obviamente, é uma decisão de quem estiver fazendo o desenho de som do filme.

Microfone eletreto

Os microfones eletretos são a versão eletroestática de um ímã. Enquanto a grande maioria dos microfones eletroestáticos (condensadores) são polarizados e necessitam de uma fonte externa de energia, esse tipo de microfone “congela” a carga dentro de si permanentemente. O microfone eletreto é o menor tipo de microfone que utilizamos e, por isso, podem ser encontrados dentro de qualquer celular. Em geral, são extremamente limitados em termos de resposta em frequências, mas cumprem a sua função de portabilidade. Dificilmente usamos esse tipo de microfone para gravar algo profissionalmente na música ou no audiovisual, mas pode ser utilizado para como “microfones de sacrificio” para pesquisas científicas ou para comunicação.

Microfone Binaural

Neumann KU 100
Por último, acho interessante citar um fone que tem se tornado mais e mais comum nos últimos anos: o microfone binaural. Basicamente, o microfone é uma cabeça que tenta emular o comportamento da nossa audição. O diafragma em si é colocado no ouvido, perto de onde o nosso tímpano realmente está. Nesse microfone, as orelhas e a cabeça exercem funções importantes, o que ocorre na vida real. Com isso, por exemplo, podemos diferenciar se um som central vem da frente ou de trás.
Em geral, esses microfones são extremamente caros e são utilizados para pesquisas, medições de fones de ouvido e outras aplicações que não permeiam o campo da música ou do audiovisual. Entretanto, esse cenário tem mudado. O album Sessions From the 17th Ward, de Amber Rubarth, usou esse tipo de microfone para gravar a maioria dos instrumentos. A sensação que se tem, ao ouvir o álbum fones de ouvido, é que você está no estúdio e a cantora está na sua frente. A Sennheiser lançou recentemente o Ambeo Smart Headset, que deve popularizar bastante a utilização desse tipo de microfones.

Entretanto, como disse no começo, nem esse tipo de microfone é perfeito. O microfone binaural não é tão adequado para sistemas 5.1 ou 7.1 e podem soar estranhos em caixas de som. Além disso, eles são claramente pouco práticos em diversos aspectos. Qualquer microfone de bola é mais adequado para o uso por um cantor em um palco do que um KU 100 que custa dezenas de milhares de reais.

O segredo é saber o microfone adequado para a utilização específica.

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