Neutralidade afiada: Beyerdynamic DT 880

Poucos são os fones de ouvido que estão em produção há mais de 30 anos. Poderíamos citar o Koss PortaPro, o AKG K240 ou alguns modelos da Grado, mas nenhum teve um impacto como fone neutro de referência como o Beyerdynamic DT880. O DT880 surgiu no início da década de 1980 e trouxe uma nova era para a empresa alemã, sendo a partir de então extensivamente utilizado por profissionais e audiófilos ao redor do mundo. A Beyerdynamic não é uma empresa novata. De fato, foi a primeira empresa a lançar um fone de ouvido dinâmico moderno – o DT 48 – em 1937, uma era onde os fones estavam apenas começando a sua jornada (o primeiro fone de ouvido moderno data de 1910, mas falaremos um pouco mais disso em outro post).

(DT 880 original da década de 1980 – 600ohm)


Tradicionalmente, o DT880 é encaixado em 3 trindades diferentes. São elas:

  1. As três impedâncias distintas desse mesmo fone: O DT880 é fabricado em 32ohm, 250ohm e 600ohm. Isso influencia diretamente na precisão do fone (quanto mais alta a impedância maior a precisão) e na necessidade de amplificação (quanto menor a impedância, mais facilmente o fone ficará alto com menos energia sendo jogada nele. Assim, a menor impedância não necessita de um amplificador, mas a maior impedância precisa). Para esse post, analisaremos a versão de 250ohm, a mais comum e mais indicada, por ser um meio termo.
  2. A trindade da Beyerdynamic: Ainda na década de 1980, a empresa lançou dois outros fones: O DT 990 e o DT 770. O 770 é fechado, com maior isolamento e mais graves. O DT 880 é semi-aberto (o que basicamente significa que ele é aberto com uma esponja entre o falante e a parte de fora) e o mais neutro dos três. Por fim, o DT 990 é aberto, com uma assinatura que permite uma escuta clínica, tendo mais agudos e graves do que o DT 880.
  3. A trindade clássica de fones neutros: essa trindade é composta pelo DT 880 (o mais clínico dos três, com a maior presença de agudos), o Sennheiser HD 600/ HD 650/ HD 660s (O mais neutro e detalhado na zona dos médios) e o AKG K701/ K702 (O que tem o maior palco sonoro). Cada um desses fones é relativamente neutro e analisaremos os outros dois nos próximos posts sobre fones de ouvido.

Além disso, o DT 880 é apresentado em duas versões estéticas: A Premium, que vem com um cabo reto) e a Pro (que vem com um cabo bobinado). Tirando o cabo, as diferenças entre essas duas versões são mais pro lado estético, mas especificaremos mais isso abaixo. Com isso, sigamos para analisar o DT 880.


Preço

O DT880 não é um fone barato. Na verdade, ainda o classifico como um fone caro, mediante a realidade do poder de compra no Brasil. Aqui, não colocarei o preço (porque pode mudar bastante de tempos em tempos), mas basta dar um pulo na Amazon ou no Mercado Livre para dá uma conferida. Com isso, creio que seja um fone voltado mais para pessoas que queiram trabalhar com áudio ou que levem a audiofilia muito a sério. Obviamente, no mercado atual, temos fones dez vezes mais caros que o DT 880, mas mesmo assim, segue sendo um fone caro. Além disso, as versões de 250ohm e 600ohm pedem a utilização de um amplificador, o que encarece um pouco mais.

Conforto

Um dos pontos mais polêmicos desse fone é o conforto. As almofadas são extremamente confortáveis, mas é um fone redondo. Isso significa que ele pode não ser muito confortável para alguns formatos de cabeça e alguns tipos de orelha. É comum ouvir relatos de usuários que reclamam de a orelha encostar na parte interna do fone, o que pode ser um pouco incômodo para alguns.

Tirando isso, é um fone muito leve (na verdade, muito mais leve do que aparenta) feito em grande maioria de alumínio e plástico. Concluindo, considero esse um fone muito bom em termos de conforto, mas posso pensar em diversos outros modelos que considero mais confortável. Vale colocar aqui também que a versão Premium aperta menos que a versão Pro, sendo assim, mais confortável logo de início, mas eventualmente ambas as versões irão se soltar um pouco mais e essa diferença se tornará menos relevante.

Estilo

O DT880 tem um estilo bem interessante: não é chamativo, mas também pode ser considerado um fone bem bonito. As cores prata e preto formam uma combinação bastante neutra, mas ao mesmo tempo um tanto charmosa. Não é um fone pra se usar em um concurso de beleza, mas certamente tem o seu valor. A versão Premium possui dois “dentes” de alumínio que chamam bastante atenção. Além da questão do design, eu creio que esses dentes permitem que esse fone permaneça com uma pressão suficiente para se manter firme na cabeça, mesmo depois de alguns anos de uso.

Na cabeça, esse fone parece um pouco com um abafador de calor (“earmuff”) usando muito em países frios para proteger os ouvidos. O formato redondo e um tanto espesso são um ponto que considero fraco no estilo desse fone, pois eles acabam sendo muito espessos para o tamanho da cabeça, o que chama um pouco de atenção.

Isolamento

O isolamento nesse fone é mínimo. Sendo um fone de fundo aberto (ou semi-aberto, como especifica a fabricante), o DT880 acaba não isolando quase nada do meio externo, sendo mais adequado para se usar em casa ou no trabalho, em um cômodo onde você não atrapalhe ninguém com o som que vaza do fone. O fator “semi-aberto” do fone ajuda a impedir que vaze muito som. Esse fone vaza bem menos som do que o Sennheiser HD 600, por exemplo. Com isso, dá pra usá-lo em um ambiente pouco barulhento e não atrapalhar quem estiver a poucos metros de você, desde que não se escute esse fone num volume muito alto.

Qualidade de Construção

A qualidade de construção desse fone é excelente. Creio que seja um dos melhores fones na relação peso-construção que já testei. Ele é leve e ao mesmo tempo robusto, o que não é uma combinação tão comum, especialmente para um fone que já tem tantos anos de estrada. Analisando o corpo do fone, não encontro um ponto fraco evidente, ou seja, um local que simplesmente me parece que irá quebrar com o passar do tempo.

Um ponto que é comum de ser reclamado por usuários é que o cabo que liga o ouvido esquerdo ao ouvido direito acaba falhando com alguns anos de uso. Essa reclamação me parece vir quase exclusivamente de usuários do DT 880 Pro. Imagino que o peso e a pressão interna maior do cabo bobinado pode causar esse problema.

Cabo

O cabo é um ponto fraco nesse fone. Ou, pelo menos, um ponto antiquado, datado da época de seu lançamento. Primeiramente, no fim da segunda década do século XXI, a Beyerdynamic segue lançando uma série de fones com cabo não-removível, algo incomum para a época atual. A primeira coisa que tende a quebrar em um fone é o cabo e ter um cabo removível permite trocá-lo com facilidade. Além disso, ter um cabo removível permite que se use alguns cabos de diferentes tamanhos, tipos e cores. A versão Pro vem com um cabo bobinado, que eu acho um tanto apropriado para estúdios mas, de fato, é um cabo mais pesado e desconfortável.

A versão premium possui um cabo reto de 3 metros, apesar de a Beyerdynamic já ter lançado uma versão com um cabo de 5 metros no início da década passada. Esse cabo de 3 metros também não me agrada e é um empecilho para usar esse fone em situações de portabilidade, como sentar com um laptop no sofá. Com isso, a minha indicação (e o que eu fiz) é de se modificar o fone, colocando uma fêmea de p2 e daí plugando o cabo que te der na telha. Fora disso, considero esse o ponto mais negativo do DT880 e a razão pela qual eu não indicaria a compra nos dias atuais. Acredite, um cabo inadequado pode ser um problemão.

Portabilidade

Em termos de portabilidade física, o DT 880 não é um fone portátil. Ao contrário, é um fone muito volumoso. Ele não possui nenhuma possibilidade de girar ou de dobrar para um tamanho menor, o que auxiliaria bastante em jogá-lo numa case ou em uma mochila. Para transportá-lo o ideal mesmo é comprar uma case mantê-lo lá durante o transporte, apesar de que o ideal mesmo seria ter outro fone mais apropriado para esse uso.

Com relação à portabilidade no que se refere à sensibilidade do falante, esse é um fone que normalmente vai precisar de alguma amplificação. Novamente, esse fone possui três versões diferentes em termos de impedância. A de 600ohm com certeza precisa de uma boa amplificação e um amplificador portátil tem que ser de muito boa qualidade para dar conta. A de 250ohm pode funcionar sem amplificador, mas fica um tanto baixo. Já usei um celular sem amplificação para usar o DT880 250ohm, mas em geral o mais ideal mesmo é ter um amplificador portátil (normalmente uso o Fiio E11k).

A versão de 32ohm não chegou a ser testada por mim, mas não há muitas indicações boas sobre essa versão na internet, chegando a ser considerada uma versão malfeita do DT880. Com isso, creio que existam opções bem melhores com uma sensibilidade maior e, apesar de não poder bater o martelo sem ter testado, não creio que conseguiria indicar a versão de 32ohm como recomendo as duas outras versões de impedâncias maiores.

Som

Em termos de som, o DT880 é o elemento mais sem graça da festa. É aquele cara bem inteligente que joga um monte de informação pra você, mas nada parece muito divertido. Se comparado aos outros dois da trindade da neutralidade (HD 600 e K701), em termos de detalhamento, o DT880 acaba jogando mais informação para quem escuta, mas de forma seca, sem nenhuma cor que daria o impacto de satisfação. Assim, o DT880 acaba sendo ideal para análise de material gravado e tem a sua maior força em um ambiente profissional. Uma caraterística indesejável dessa aplicação nesse fone é que as almofadas cinzas tendem a ficar amareladas se usadas continuamente por muito tempo, algo que inevitavelmente acontecerá em um uso profissional.

Como acontece normalmente (exceto em casos como o Sennheiser HD 800), o palco sonoro e o detalhamento são inversamente proporcionais. Ou seja, o DT 880 possui um palco sonoro muito minguado, já que todos os elementos sonoros estão sendo continuamente “jogados na sua cara”. A diferenciação entre esquerdo e direito não é tão boa quanto no K701 e acabo classificando esse fone como não-ideal para assistir filmes, por exemplo (uma vez que filmes se beneficiam bastante de um fone com um bom palco sonoro).

Em termos de resposta em frequências, o DT880 tem um pouco mais de graves que os outros dois da trindade de neutralidade, mas também possui uma quantidade notável de agudos altos, acima dos 8kHz. Com isso, a quantidade de detalhamento fica ainda maior, uma vez que essas são as duas áreas mais ausentes em fones de ouvido em geral: Os graves porque os fones não possuem um falante grande o suficiente para produzir uma boa e controlada quantidade de graves e os agudos altos acabam sendo mais frágeis, uma vez que são as frequências do nosso espectro auditivo que possuem menos energia.

Um ponto negativo desse tipo de fone é que a presença dessa quantidade de agudos pode ser prejudicial para a audição caso as sessões de escuta se estendam por um longo período. Portanto, recomendo que o uso desse fone seja feito com cuidado, sem passar mais do que uma hora usando-o sem parar e, depois dessa uma hora, não usá-lo por pelo menos 20 minutos, dando tempo do ouvido se recuperar minimamente de qualquer impacto nocivo. Não é exaustivo lembrar que nenhum fone deve ser ouvido por um longo período de tempo acima de 85-95db, sendo muito útil ter um decibelímetro à mão para ter certeza de não estar prejudicando sua audição.

Com relação à rapidez, o DT880 é extremamente preciso, especialmente em sua versão de 600ohm. Quase não dá pra perceber fenômenos acústicos de imprecisão, o que se deve ao movimento do falante ser muito bem controlado. Com isso, orquestras e bandas grandes são bastante beneficiadas por esse fator, no sentido de que fica mais fácil perceber cada instrumento e é menos recorrente um instrumento “passar por cima” de outro. Entretanto, em termos de maciez, esse é um fone não indicado. Não é um fone voltado para escuta confortável e sim para escuta clínica. Não creio que alguém que procure esse fone para escutar todo tipo de música irá se agradar, uma vez que ele não perdoa muito os defeitos da gravação, mixagem e masterização, tornando músicas altamente comprimidas menos prazerosas de serem ouvidas. Em termos de distorção, escutando esse fone abaixo de 100dB SPL, creio que apenas os graves poderão apresentar algum problema, mas quase todos fones que existem possuem esse defeito. E, no caso desse fone, a distorção nos graves é quase desprezível, apesar de estar presente e ser minimamente notável.

Conclusão

O DT880 é um marco histórico enorme. Com quase 40 anos de existência, permanece sendo um referencial de neutralidade e, aqui no Audiofilico, será um bom referencial em quase todos os termos. Ou seja, o DT880 será por vezes o meu marco zero. Se eu disser que um fone é muito confortável, provavelmente significa que é mais confortável que o DT880 (ou, pelo menos muito confortável numa faixa de preço bem mais barata que o DT880). Da mesma forma, estabelecerei essas comparações com o que se refere à bom detalhamento, boa precisão/ rapidez, resposta em frequência, qualidade de construção, estilo, etc.

Para quem é esse equipamento?

O DT880 é para aquela pessoa que busca um fone com boa qualidade de construção e um som extremamente preciso, mas que tem um bom amplificador para puxar esse fone, não precisa de um fone portátil e (segundo os meus gostos) não busca um fone mais divertido.

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