Pense em quais são os sons que você escuta enquanto lê esse post. Esses sons podem variar radicalmente dependendo da hora e do lugar que você esteja lendo. Você pode estar lendo essas palavras durante o dia, com os sons da cidade ao seu redor te incomodando e te atrapalhando de se concentrar. Ou você pode estar lendo durante a madrugada, quando o único som que você ouve é o do ventilador/ ar condicionado/ aquecedor e o som da sua própria respiração. Talvez você esteja lendo enquanto escuta uma música. Ou talvez você esteja lendo dentro de um avião, com o ruído grave da turbina preenchendo todo o espaço ao seu redor. De qualquer forma, há algum som ao seu redor e, muitas vezes, você não está consciente dele.
Nesse post, irei falar um pouco sobre o quanto a paisagem sonora foi sendo alterada com o passar do tempo. A obra mais básica para essa discussão é o livro “A afinação do mundo” do canadense Murray Schafer, onde ele discute muito sobre os sons que temos (ou que tivemos) no nosso planeta e busca uma forma de entender melhor esses sons e de motivar a escuta consciente em todas as situações. Provavelmente um dos melhores livros para se entender o real significado da palavra “audiofilia”.
“No princípio criou Deus os céus e a Terra (…) e o espírito de Deus se movia sobre a face das águas” (Livro bíblico de Gênesis, capítulo 1, v.1 e 2). Tudo se inicia na água, na natureza. É bastante fácil se encontrar registros que privilegiem paisagens naturais em escritos antigos e nesse época a comunicação era mais verbal do que visual, sendo mais natural para essas pessoas descreverem os sons ao seus redor, algo que Schafer chama de “Competência Sonológica”. Ainda possuímos uma grande competência sonológica para definir sons naturais mais marcantes como trovões, o som do mar, o som da chuva, o som de um rio correndo (perceba todos esses de alguma forma tem a ver com água), mas muitos sons acabaram sendo engolidos pela modernidade pós-industrial.
Em seu livro, Schafer classifica as paisagens sonoras (ou seja, os sons que compõem qualquer ambiente) como Hi-fi ou Lo-fi (alta fidelidade e baixa fidelidade), termos muito comuns na música e na história da indústria fonográfica, mas aplicadas aqui de uma forma diferente. A paisagem sonora Hi-fi remete à uma paisagem mais antiga ou tradicional, onde podemos ouvir as nuances sonoras do ambiente. Em um ambiente Hi-fi comum, podemos ouvir os pássaros, o vento nas árvores, as pessoas conversando a alguma distância considerável, podemos mapear sons produzidos por diversas fontes sonoras – muitas delas, na verdade. Na paisagem sonora Lo-fi, percebemos menos elementos e eles são mais constantes. Schafer lista alguns dos mais comuns: O som dos ares-condicionados, dos aviões, sons relacionados com a rede elétrica (muitos postes de alta tensão preenchem muito o espaço acústico urbano), o som do motor dos carros e motos. Também podemos citar o som de pessoas que colocam música alta em seus carros ou o som de organização urbana, como buzinas, apitos, sinais de alerta, etc. Todos esses sons (que são provenientes de fontes sonoras não naturais) acabam criando o que Schafer denomina “paredes sonoras”, ou seja, sons que separam a paisagem sonora e impedem que o ouvinte perceba detalhes que seriam possíveis de perceber anteriormente.
Para fazer um teste, acorde cedo e escute a sua rua às 5 ou 6 da manhã. Você perceberá vários sons que vão sumindo com o passar do dia, formando uma paisagem sonora mais Hi-fi. Ao meio dia, o ruído será constante e intenso, formando aí uma paisagem sonora mais Lo-fi que a paisagem sonora de poucas horas antes.
É comum vermos pessoas preocupadas com a paisagem visual empobrecendo. Por vezes, as pessoas reclamam que a cidade está muito cinzenta, que não há muitas cores ou que tudo parece muito artificial. É necessário que também busquemos essa visão crítica com o som. O nosso ambiente sonoro está muito barulhento e os sons dominantes são muito constantes, sem muito detalhamento ou dinamismo – Sons que muitas vezes são nocivos à nossa saúde auditiva. Para compensar, as pessoas preenchem sua escuta com músicas, e escutam essa em alta intensidade, prejudicando ainda mais a sua audição.
A “lei do silêncio” brasileira data de 1941 e consta no artigo 42 da lei 3688, e prevê punição para quem produzir um barulho que atrapalhe o trabalho ou o sossego de outra pessoa, mas usando como base os quatro parâmetros:
- Com gritaria ou algazarra;
- Exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais
- Abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos
- Provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de quem tem a guarda